Até mais ver...
Até mais ver, sonâmbulo das vinte e quatro horas
Até mais ver, insolente embriagado. Rum e parcos cêntimos na algibeira
Até mais ver, iluminado pela intermitência de neons, neons que ferem a vista; azuis e rosas fluorescem numa promíscua e subliminar referência ao vício - deslumbrados pelo acolhimento voltámos a ser crianças
Até mais ver, envolvido pelo novoeiro da vila
Até mais ver...
Até mais ver, passador de sonhos ilícitos. Do outro lado da rua, são putas e são chulos e são toda uma fauna a transpirar líbido a saldo
Até mais ver, viajante solitário e gatos com cio
Até mais ver, no trilho de passeios mal iluminado
Até mais ver, e o último eléctrico passa
Até mais ver, e uma bagatela por uma sopa nocturna
Até mais ver, eu fico por esta pensão
Até mais ver, príncipe da zaragata e uma cicatriz no sobreolho
Até mais ver, discípulo de Parker, Monk e Coltrane, e todos os outros mais, subversores da confortavel rotina. Biséis oxidados, caldos de conteúdo nutrituvo duvidoso e bop endiabrado - ferramentas de uma nova doutrina
Até mais ver, e um cadáver a boiar no canal
Até mais ver, no ano de mil e nove centos e oitenta mil. Até lá, salda a tua dívida
Até mais ver, e siluetas nos telhados miram siluetas noutros telhados que miram outras siluetas anónimas, ali, na esquina do pub que está fechado
Até mais ver, vómito, urina e escarro ornamentam um fresco de graffitis no portal daquela unidade fabríl
Até mais ver...
Até mais ver, na insónia, na ingestão descontrolada de fármacos, e a tv ligada num canal em fim de emissão
Até mais ver, no álcool e nos dedos amarelecidos pelos cigarros consumidos uns atrás dos outros, na enxaqueca e no amaldiçoar da má fortuna, na solidão e na amargura das palavras
Até mais ver, no caír da noite, no recolher da cidade, no despertar dos ratos
Até mais ver...até mais ver.
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