Friday, October 19, 2007

Até mais ver (Village Vanguard, live)

Até mais ver...

Até mais ver, sonâmbulo das vinte e quatro horas

Até mais ver, insolente embriagado. Rum e parcos cêntimos na algibeira

Até mais ver, iluminado pela intermitência de neons, neons que ferem a vista; azuis e rosas fluorescem numa promíscua e subliminar referência ao vício - deslumbrados pelo acolhimento voltámos a ser crianças

Até mais ver, envolvido pelo novoeiro da vila

Até mais ver...

Até mais ver, passador de sonhos ilícitos. Do outro lado da rua, são putas e são chulos e são toda uma fauna a transpirar líbido a saldo

Até mais ver, viajante solitário e gatos com cio

Até mais ver, no trilho de passeios mal iluminado

Até mais ver, e o último eléctrico passa

Até mais ver, e uma bagatela por uma sopa nocturna

Até mais ver, eu fico por esta pensão

Até mais ver, príncipe da zaragata e uma cicatriz no sobreolho

Até mais ver, discípulo de Parker, Monk e Coltrane, e todos os outros mais, subversores da confortavel rotina. Biséis oxidados, caldos de conteúdo nutrituvo duvidoso e bop endiabrado - ferramentas de uma nova doutrina

Até mais ver, e um cadáver a boiar no canal

Até mais ver, no ano de mil e nove centos e oitenta mil. Até lá, salda a tua dívida

Até mais ver, e siluetas nos telhados miram siluetas noutros telhados que miram outras siluetas anónimas, ali, na esquina do pub que está fechado

Até mais ver, vómito, urina e escarro ornamentam um fresco de graffitis no portal daquela unidade fabríl

Até mais ver...

Até mais ver, na insónia, na ingestão descontrolada de fármacos, e a tv ligada num canal em fim de emissão

Até mais ver, no álcool e nos dedos amarelecidos pelos cigarros consumidos uns atrás dos outros, na enxaqueca e no amaldiçoar da má fortuna, na solidão e na amargura das palavras

Até mais ver, no caír da noite, no recolher da cidade, no despertar dos ratos

Até mais ver...até mais ver.